Adriana Carvalho é líder da delegação brasileira do W20, subgrupo do G20 criado para empoderar economicamente as mulheres (Arte: Tutu)
Em 2014, as governanças globais discutidas durante a 9ª reunião da cúpula do G20 ,na Austrália, deixou de fora mulheres que não não se viam, de fato, representadas pelas diretrizes do principal fórum de cooperação econômica internacional.
Assim, do desejo de garantir a participação feminina na promoção do crescimento econômico buscando a equidade de gênero nas diversas ações dos países participantes do grupo, em 2015, nascia o Mulheres 20 (Women 20 ou W20). “A ideia é que o grupo faça recomendações e defina metas mensuráveis e viáveis para a inclusão de mulheres em diversas esferas, tanto nas empresas como na política e, desse modo, garantir que essa representatividade possa influenciar os governos do G20 a implementar esses objetivos”. A explicação é de Adriana Carvalho, atual líder da delegação brasileira do W20.
Segundo ela, uma das grandes recomendações [do grupo] é a promoção de estrutura e ecossistemas de políticas empreendedoras que acelerem o crescimento de micro e pequenas empresas de mulheres – ou lideradas por elas – além de fornecer acesso a crédito, incluindo sistemas alternativos de garantias, e a mercados, como contratos corporativos e públicos, comércio internacional e eletrônico. Para isso, ela diz que o Brasil ainda precisa assegurar infraestrutura para que quando a mulher realmente queira ou precise, tenha tempo suficiente para se dedicar a seu negócio. Leia a entrevista na íntegra.
O Women 20 (W20) é um grupo independente de engajamento focado no empoderamento econômico das mulheres e na equidade de gênero. Qual tem sido o principal foco e as recomendações nos últimos anos? Qual temática é mais urgente no País, tendo em vista a realidade e os desafios atuais?
Mulheres empreendedoras é um tema que aparece todos os anos. Em alguns países, como é o caso do Brasil, a maioria empreende por necessidade, sobrevivência. Em muitos desses locais, na base da pirâmide do empreendedorismo, até há igualdade de gênero, porque esse público não tem apoio do governo em termos de seguridade social e precisa empreender para sobreviver. Porém, os negócios de mulheres não crescem na mesma velocidade do que os dos homens. Essas empresas, muitas vezes, têm uma mortalidade mais alta e estão muito mais concentradas em áreas tidas como “femininas”, como comércio e serviços. Nesse sentido, dois assuntos mais recentes são: acesso a crédito e a questão de compras públicas ou compras privadas afirmativas. Ou seja, como quem compra pode dar visibilidade a empreendimentos de mulheres ou de outros grupos minoritários, como mulheres negras e com deficiência, para que empresas deem chances reais para esses negócios.
E quais serão as recomendações para melhorar esse cenário de modo geral?
Uma política importante é a questão de creches. Se eu tenho filhos, preciso de um lugar para deixá-los e conseguir realmente ir para o trabalho. Muitos municípios brasileiros ainda não possuem vagas suficientes. Oferecer escolas em tempo integral e assegurar que todos tenham direito a creche são políticas indiretas, que não são para o empreendedorismo em si, mas que são fundamentais para que mulheres possam ter tempo para se dedicar. Há alguns caminhos de políticas a serem pensadas, que já existem em alguns países, mas que o Brasil ainda precisa abraçar, que é como garantir infraestrutura para que quando a mulher realmente queira ou precise, tenha tempo suficiente para dedicar ao seu empreendimento.
Há também políticas que passam pela educação?
Sim, como, por exemplo, finanças no Ensino Médio. Quantos brasileiros e brasileiras entendem minimamente de gestão financeira? Quantas pessoas sabem o quanto estão pagando de juros quando compram algo em várias vezes? Por isso, quando cobramos bancos e sistemas de educação para que essas questões façam parte da educação formal ou da transparência do sistema financeiro, estamos indiretamente apoiando o empreendedorismo feminino. E hoje o Brasil não tem nada concreto nesse sentido.
Em relação ao acesso a crédito? Muitas mulheres não conseguem acessar produtos financeiros na mesma proporção do que homens. Como enfrentar esse desafio?
Quando uma mulher está fazendo um pitch (apresentação) para um investidor, em muitos casos, é preterida. É avaliada por uma banca só de homens ou com réguas muito masculinas. O jeito padrão de dar crédito é olhar o histórico bancário. Porém, muitas mulheres têm essas informações atreladas a algum homem. Se ela usava a conta com outro titular, acaba não tendo os requisitos para concessão de crédito. Portanto, essa questão de bancarização das mulheres e de como mudamos essa régua são fundamentais. Hoje, no Brasil, por exemplo, o Banco Central não desagrega alguns indicadores por gênero. Então, esse tema vai ser prioridade para o W20 em 2024.
Você mencionou também a questão de compras públicas ou compras privadas afirmativas? Quais medidas ou legislações vocês vislumbram nesse sentido?
O Brasil não tem hoje legislação de percentual de compras públicas que deveriam vir de negócios de mulheres e nem políticas que obriguem empresas a comprarem desses empreendimentos. Há países mais avançados e da América Central que possuem políticas em relação a isso. Em relação a crédito e a investimentos, não temos números de como as mulheres acessam ou recebem aportes financeiros. Começar a ter esses dados desagregados é uma primeira legislação que poderia existir, por exemplo, porque se não sabemos onde estamos de uma forma macro, como vamos poder traçar políticas. A primeira começa por ter dados. Com isso, é possível pensar em outras ações de incentivo. Fornecer crédito subsidiado e microcrédito também é importante. O governo pode, por exemplo, dedicar um valor que, administrado da forma correta, possa chegar a esses negócios e fazer com que eles tenham melhores condições para crescer.
E como essas políticas públicas reverberam no setor privado?
Uma política pública que afetaria o setor privado, por exemplo, poderia ser em relação ao percentual de mulheres ou grupos minoritários em conselhos de administração. Há uma legislação que tramita há anos no Congresso e no Senado que prevê trinta por cento de mulheres em conselhos de empresas públicas ou de capital misto, em que o governo tem participação, mas que nunca avançou.
E em relação à empregabilidade, como está a participação das mulheres no mercado de trabalho, nos diversos segmentos? Além da questão de creches, quais outras medidas são necessárias para combater a discriminação no trabalho, de fato, e promover a infraestrutura do cuidado para assegurar que mulheres consigam trabalhar?
A pandemia escancarou como a tarefa do cuidado sobrecarrega, na maioria das famílias, as mulheres, as mais atingidas pelo desemprego foram elas. Hoje, mesmo que os níveis de desemprego tenham voltado para patamares parecidos aos anteriores, há mulheres que ainda não conseguiram voltar ao mercado. Essa questão do suporte, do cuidado, da melhor divisão de tarefas e de garantir infraestrutura e apoio nessas tarefas é fundamental para que todas possam exercer a sua potencialidade e, também, para igualar como elas são olhadas pelo próprio mercado.
Além da presença de mulheres em todos os níveis hierárquicos, o que também ainda é um desafio, ainda têm dificuldades para encontrar emprego, certo?
Exato. Quantas mulheres já foram questionadas em entrevistas de emprego se estavam grávidas ou se pretendiam ter filhos? Enquanto o homem nunca é questionado se cuida bem da saúde ou se faz esporte de alto risco, por exemplo. Quando o empregador olha para o dia de afastamento nem deveria misturar as coisas, porque quando uma mulher é mãe, ela está contribuindo não só para a família dela, mas para toda sociedade. Países com pirâmide invertida, que é o que está acontecendo no Brasil agora, encontram uma série de problemas nesse sentido. Vamos esperar que essas dificuldades se concretizem para, termos que pensar em como incentivar as pessoas a terem filhos, como no caso do Japão e outros países europeus? Ou vamos assegurar que quem queira ter filhos tenha os incentivos necessários para conseguir criá-los? Quando a sociedade cuida bem das suas crianças e das pessoas mais velhas, gasta menos com saúde. Temos uma sociedade muito mais saudável. Em todos os sentidos.
Inscreva-se para receber a newsletter e conteúdos relacionados
Fonte Oficial: FecomercioSP