Existem incertezas relacionadas à evolução fiscal no Brasil: o arcabouço é frágil, e o governo não demonstra grande preocupação com o cenário, acumulando déficits no primeiro semestre
(Arte: TUTU)
Por André Sacconato*
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, na quarta-feira (11), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo Banco Central (Bacen) como referência para a política de juros. Em geral, os números apresentaram um cenário favorável. O aumento de apenas 0,26% ficou abaixo da média de mercado (0,32%), que já era baixa. Além disso, grande parte desse acréscimo é resultado de dois subíndices associados a fatores sazonais ou choques temporários.
O primeiro está relacionado aos preços administrados, abrangendo contratos como os de educação, serviços de transporte público e planos de saúde. O aumento de 1,11% sinaliza que esse fator sazonal, ligado ao vencimento de contratos, não deve influenciar nos próximos resultados.
Outro ponto vinculado a um choque específico é a alta de 1,4% nos transportes, em setembro, contribuindo com 0,29 ponto porcentual (p.p.) para o índice geral. Para se ter uma ideia, o aumento nos preços dos combustíveis, com destaque para a gasolina (2,8%), teve uma contribuição individual de 0,14 p.p. no índice final. A boa notícia é que esses aumentos não devem se repetir em outubro.
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Outros indicadores confirmam a conjuntura positiva. O índice relacionado aos serviços, que reflete o dinamismo da demanda, apontou alta de apenas 0,3%. Esse valor quase alcança a meta estabelecida para a inflação do setor, proporcionando tranquilidade ao Bacen quanto ao aquecimento da inflação de demanda. Ao reforçar essa tendência, os núcleos de inflação, que analisam o comportamento dos preços excluindo ou reduzindo o impacto de fatores temporários a esses indicadores, apresentaram um ligeiro aumento de 0,21%, já se situando abaixo de 4% nos últimos 12 meses (3,8%).
Esses dados possibilitam à autoridade monetária uma visão mais otimista da inflação de demanda e podem gerar mudanças na percepção de alguns atores acerca da próxima reunião do Bacen, com a possibilidade de uma redução adicional de 0,75% na taxa Selic. No entanto, nossa visão se mantém com a expectativa de uma queda de 0,5%.
Existem três razões para esse posicionamento. A primeira delas é a incerteza sobre a inflação e a política fiscal dos Estados Unidos, como abordado no último artigo neste espaço. Essa política tem exercido pressão sobre as taxas de juros de longo prazo naquele país, o que afasta investidores de nações emergentes e provoca a desvalorização do real, com potencial reflexo na inflação futura.
Diante disso, a situação norte-americana exige cautela do Bacen. A segunda razão diz respeito às incertezas relacionadas à evolução fiscal no Brasil: o arcabouço é frágil, e o governo não demonstra grande preocupação com o cenário, acumulando déficits no primeiro semestre.
O próprio Bacen expressou apreensão quanto a esse aspecto em comunicados recentes. Não há, por parte do governo, nenhuma ação de longo prazo para reverter essa tendência, como o apoio a um sólido projeto de Reforma Administrativa. A consequência será um maior peso sobre impostos e arrecadação, o que poderá prejudicar ainda mais o setor produtivo brasileiro.
Por fim, a terceira razão se refere às dúvidas quanto ao mercado de petróleo em um cenário no qual já se projeta uma defasagem no preço praticado pela Petrobras. O (covarde e hediondo) recente ataque do Hamas a Israel e a influência do Irã sobre esse grupo terrorista assustaram o mercado, que já elevou os custos do petróleo.
Esse efeito pode se refletir nos preços dos combustíveis, o que torna prudente adotar uma abordagem cautelosa em relação à taxa básica de juros. Assim, apesar do panorama favorável quanto à inflação, a autoridade monetária tem razões sólidas para manter um ritmo mais moderado de queda. Além disso, a falta de empenho do governo nas reformas fiscais deve elevar o limite inferior da Selic e sustentar uma abordagem mais conservadora a respeito da flexibilização.
Para os empresários, a orientação é cautela nos investimentos e na expansão das operações, visto que o momento é marcado por inseguranças e pela expectativa de reduções dos juros. Nesse contexto, é essencial focar na análise de oportunidades e no estabelecimento de metas para o futuro, de modo a se preparar para quando as taxas de juros diminuírem.
*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 13 de outubro de 2023.
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Fonte Oficial: FecomercioSP