Raramente os trabalhadores que perdem o emprego devido à entrada de nova tecnologia estão preparados para assumir os empregos que são criados por essa mesma tecnologia
(Arte: TUTU)
Por José Pastore*
Durante vários anos, o Fórum Econômico Mundial indicou que as consequências do avanço tecnológico sobre o emprego seriam mais benéficas do que maléficas, pois os empregos gerados seriam sempre mais abundantes do que os empregos destruídos. Entretanto, o relatório referente a 2023 inverteu a previsão: os empregos destruídos pelas novas tecnologias serão mais numerosos do que os criados (The future of jobs report 2023, Genebra: World Economic Forum). Essa está sendo a tendência dos estudos mais recentes, em especial, os publicados depois do aparecimento do ChatGPT (2022) e de outras ferramentas da inteligência artificial.
O quadro é preocupante. Mesmo sob a hipótese de equilíbrio, sabe-se que raramente os trabalhadores que perdem o emprego devido à entrada de nova tecnologia estão preparados para assumir os empregos que são criados por essa mesma tecnologia. Muitas vezes, ficam desempregados por longos períodos e, quando conseguem alguma coisa, é em atividades mais simples e mal remuneradas. Raros são os que conseguem se repaginar, entrar em uma atividade mais sofisticada e ascender socialmente.
As primeiras avaliações do impacto do ChatGPT sobre o emprego indicam que os empregos mais atingidos, pasmem, são os que abrigam as pessoas mais educadas — advogados, contadores, jornalistas, redatores, tradutores e outras do mesmo nível. De fato. Vários sinais indicam que as tecnologias ligadas à inteligência artificial estão fazendo um grande estrago nas ocupações de classe média. É o caso, por exemplo, do administrador de um grande almoxarifado que perde seu emprego após a entrada de um sistema que remete para a caixa registradora as tarefas de controlar os estoques de modo automático.
Se esse profissional conseguir se repaginar no novo mundo tecnológico, ele tem boas chances de ascender socialmente ao entrar em uma ocupação mais sofisticada como, por exemplo, analista de sistema, operador de WMS (warehouse management system) ou de banco de dados. Caso contrário, ele tenderá a descer na estrutura social ao ocupar uma atividade bem mais simples. É isso que ocorre com a maioria. Quem nunca encontrou um administrador de empresas dirigindo um Uber?
Os dados coletados para os países avançados, e também para o Brasil, indicam que, ao reduzir as oportunidades de trabalho da classe média e aumentar um pouco as da classe alta e muito as da classe baixa, as novas tecnologias têm agravado a desigualdade e provocado uma descida na estrutura social. A atenuação da mobilidade descendente só é mitigada quando se dispõe de um sistema de qualificação e requalificação dos profissionais que opera de forma eficiente e contínua.
Recomendar sistemas de qualificação e requalificação continuados é fácil. Implementar é dificílimo. Eles só vingam quando a educação básica é de boa qualidade, em especial, nos campos da linguagem, matemática e ciências. Essas disciplinas são fundamentais para as pessoas pensarem com lógica de raciocínio, e para transferir conhecimentos de uma área para outra.
No Brasil, a escolaridade média da força de trabalho vem aumentando rapidamente. Apesar disso, a educação não tem conseguido reduzir a desigualdade e aumentar a produtividade do trabalho. Quantidade é importante, mas qualidade é decisiva. Esse é o nosso problema. A maioria das nossas escolas ensina os alunos a passar nos exames. Raras ensinam a pensar, o que é essencial para qualificar e requalificar pessoas.
Foi lamentável ver o governo atual suspender a reforma do ensino médio, cujos defeitos poderiam ser gradualmente superados ao longo da implantação. Até hoje nada se fez para substituí-la. É sempre assim: destruir é fácil e rápido. Construir é difícil e demorado. Sem uma educação de boa qualidade, os brasileiros não conseguirão manter seus empregos no meio da atual revolução tecnológica.
*José Pastore é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 6 de outubro de 2023.
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Fonte Oficial: FecomercioSP