A China enfrenta desafios para alcançar a autossuficiência em semicondutores, o que pode impactar diversos segmentos
(Arte: TUTU)
Por André Sacconato*
No cenário global, uma intensa guerra tecnológica se desenrola, superando em complexidade até mesmo as batalhas comerciais mais midiáticas. Os intrincados processos de fabricação de chips estão no epicentro dessa disputa, com a tecnologia de EUV (Extreme Ultraviolet) liderando o caminho.
Essa aplicação é viabilizada pelas máquinas produzidas pela empresa holandesa ASML. No entanto, a China, excluída desse acesso, está recorrendo ao “antiquado” DUV (Deep Ultraviolet), resultando em um atraso médio de, aproximadamente, cinco anos, conforme apontado por Chris Miller, autor de A guerra dos chips: a batalha pela tecnologia que move o mundo (Globo Livros, 2023). Além disso, o recém-introduzido Chips Act intensifica o boicote tecnológico ocidental às empresas chinesas.
Nesse contexto, o lançamento do Huawei Mate 60 Pro atraiu grande atenção, uma vez que utiliza chips de 7 nanômetros fabricados pela SMIC, uma empresa chinesa de chips agora boicotada pela comunidade internacional. Miller afirma que esse evento marca um ponto de virada, embora ressalte que os custos do país asiático para desenvolver nova tecnologia com máquinas antigas sejam consideravelmente mais elevados, sustentados, em grande parte, por generosos subsídios governamentais ao setor.
Assim, a expectativa é que esse lançamento seja mais uma estratégia de marketing do governo chinês do que um avanço tecnológico aguardado pelo mercado global. Contudo, ele sinaliza que a China está consolidando sua presença no mundo, mesmo que isso implique sacrificar setores como o imobiliário e de infraestrutura, bem como o próprio crescimento a curto prazo.
No entanto, em uma conjuntura contrastante, o gigante asiático emergiu como líder internacional no mercado de carros elétricos (Electric Vehicles — EVs), aproveitando ao máximo esses subsídios. Isso representa uma reviravolta na geopolítica automobilística, historicamente dominada por Europa e Estados Unidos como principais produtores.
Ainda assim, o influxo substancial de recursos públicos nesse setor já começa a se desequilibrar, com algumas empresas relatando supercapacidade, redução de lucratividade e queda nos preços, o que pode reverter a tendência de crescimento. Apesar disso, a China lidera incontestavelmente, com 6,8 milhões de carros elétricos vendidos em 2022, graças, em grande parte, aos incentivos do governo tanto na concessão de crédito aos compradores como na mitigação dos custos operacionais.
Essa supremacia remonta aos anos 2000, quando o governo chinês percebeu a necessidade de romper com a dependência dos combustíveis fósseis ocidentais e assumiu os riscos de uma transformação total no modelo de energia. Mas, assim como em outros setores, o país corre o risco de sucumbir ao excesso de investimento causado pela intervenção estatal exagerada na economia. Surpreendentemente, até mesmo a Tesla, uma empresa ocidental proeminente, está entrelaçada, de maneira profunda, numa cadeia de produção que depende muito de companhias chinesas.
Em resumo, a China enfrenta desafios para alcançar a autossuficiência em semicondutores, o que pode impactar diversos segmentos, desde a Inteligência Artificial (IA) até a indústria automobilística. O bloqueio tecnológico ocidental é brutal, porém a experiência bem-sucedida da China no mercado de EVs mostra sua capacidade de criar cadeias produtivas de última geração. O resultado econômico final pode divergir das expectativas em razão da realocação compulsória de recursos, mas o país emerge como um competidor formidável e relevante no cenário mundial.
*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 29 de setembro de 2023.
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Fonte Oficial: FecomercioSP