Economista comenta sobre algumas alterações no bloco ocorridas recentemente que podem ser uma armadilha
(Arte: TUTU)
Por André Sacconato*
O Brics se formou como um bloco com o propósito de encaminhar propostas específicas de interesse comum entre os países signatários, o que é totalmente legítimo quando tratamos de demandas desviadas de conflitos diplomáticos (ou mesmo bélicos).
Desde a formação do bloco, em 2009, muita coisa aconteceu. Dentre tantos eventos, dois foram decisivos para testar os limites do grupo: a intensificação do processo de decoupling entre os Estados Unidos e a China, culminando com o radical Chips Act, e a invasão da Ucrânia pela Rússia. De um dia para o outro, metade dos países-membros do bloco se viu envolvida em choques profundos que dividiram o mundo.
Nesse cenário, o grupo tomou uma configuração perigosa. Para o Brasil, não é interessante tomar um posicionamento no conflito entre as duas maiores potências mundiais, tampouco adotar uma postura pró-Rússia, o que seria desastroso tanto em termos diplomáticos quanto humanitários. Assim, a situação é bastante delicada. Surge então, um grande desafio para a diplomacia brasileira, que busca construir voz mais ativa no grupo: como o Brics pode manter uma postura neutra sem tomar nenhum partido nessa conjuntura?
Cabe ao Brasil afastar do bloco qualquer discussão que envolva conflitos geopolíticos, concentrando-se em temas prioritários (e importantíssimos) para todos os membros do Brics no momento. Temas esses que incluem desenvolvimento humano, combate à pobreza, diminuição de barreiras alfandegárias, enfrentamento das mudanças climáticas e promoção de energias limpas. É imperativo manter a conduta de abordar apenas assuntos de interesse mútuo no âmbito do Brics.
Nesse contexto, a aprovação da entrada de novos países no grupo pode ser arriscada, parafraseando o embaixador Rubens Barbosa, isso poderia expor o Brasil a riscos, como a perda de poder de barganha e influência nas decisões, além de obrigar o País a endossar deliberações com as quais não concorda. Além disso, quanto mais membros integrarem o bloco, maior será a probabilidade de situações desse tipo ocorrerem, especialmente ao lidar com nações próximas à Rússia e à China.
Outro aspecto crítico são as questões econômicas. A facilitação das trocas comerciais entre países utilizando as respectivas moedas é um tópico que merece, de fato, discussão. A redução da dependência do dólar nas transações pode ser benéfica, especialmente para países como o Brasil e a China, que sofrem com as flutuações da moeda norte-americana, impactando os seus negócios bilaterais.
No entanto, a ideia de uma moeda única ainda é distante. Para que essa proposta seja considerada, seria necessário haver uma convergência quase obrigatória em termos de condições macroeconômicas, incluindo níveis de dívida, déficits e modelos cambiais (como a livre conversibilidade das moedas).
Não precisa ser um exímio especialista para perceber que as condições econômicas de Brasil e China são muito discrepantes, principalmente considerando a presença da Rússia no bloco. Qualquer discussão em torno desse assunto seria impraticável.
Em suma, o Brics deve concentrar esforços na promoção do crescimento de seus países-membros, evitando se tornar um bloco antagônico em relação aos Estados Unidos e ao mundo ocidental. Não há vantagem para o Brasil em adotar essa postura. Portanto, a diplomacia nacional deve rejeitar essa possibilidade de forma clara. Apesar dos desafios, essa abordagem é indispensável.
*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 1º de setembro de 2023.
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Fonte Oficial: FecomercioSP