“Brasil precisa se abrir, em especial agora, com a substituição da China na cadeia global de suprimentos”, escreve
(Arte: TUTU)
*Por André Sacconato
Na última segunda-feira (7), a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) organizou o evento Café Sem Filtro, que contou com a participação de Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South, e Roberto Dumas, professor de Economia Internacional e Economia Chinesa no Insper. O encontro, que tinha o objetivo de analisar a inserção internacional do Brasil, nos trouxe muitas reflexões. A maior delas, sem dúvida, é a de que não devemos insistir na ideia errada de que não haverá mais globalização das cadeias produtivas.
A concepção de que um movimento mundial de protecionismo e brigas entre China e Estados Unidos vai gerar um mundo mais fechado, ainda que pareça muito tentadora, não é correta. O que pode acontecer, de fato, é a mudança de eixos de fornecimento de cada elo da cadeia global, com dois grandes blocos bem divididos entre essas duas potências.
Assim, se o Brasil souber o seu devido lugar nesse novo mundo — ao adotar um movimento devidamente estratégico —, haverá muitos benefícios para o País. Esse movimento exigirá uma postura ponderada, inteligente e intrincada da diplomacia brasileira, além de ações (urgentes) de políticas públicas assertivas e eficientes.
A primeira (e mais complexa politicamente) é, sem dúvida, a abertura comercial gradual e progressiva, mas ampla. Para ganhar um bônus dos fluxos internacionais, o Brasil precisa se abrir, em especial agora, com a substituição da China na cadeia global de suprimentos. Hoje, a Índia está, praticamente, absorvendo toda essa demanda. Aqui, é bom recordar que a abertura comercial também facilita importação de máquinas e equipamentos de última geração e permite aumentar a produtividade empresarial.
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Produtividade essa que fez parte do segundo ponto discutido do Café Sem Filtro: há tempos, o salário mínimo, no País, vem aumentando mais do que o rendimento, mesmo em valor real. Isso significa que, ao se pagar mais pela mesma produtividade, o produto nacional perde competitividade no exterior.
É preciso pensar em métodos e planos que melhorem essa conjuntura. Os mais diretos estão ligados à melhoria do ambiente de negócios, anteriormente medida pelo relatório Doing Business, do Banco Mundial. Tempo para pagar impostos, alvará de construção complexo e demorado, problemas na recuperação de pleitos judiciais, demora para fechar e abrir empresas, descumprimento de contratos e decisões jurídicas instáveis tornam a situação da eficiência no País muito mais difícil, afastando investimentos e paralisando renda e emprego.
Além disso, a falta de um planejamento na educação (como fez a China) diminui a taxa de expansão da mão de obra especializada, e isso aumenta o gargalo entre profissionais, reforçando uma desigualdade já tão cruel da nossa realidade.
Dessa forma, antes de partir para o cenário estrangeiro, é preciso analisar a situação. No evento, os debatedores ressaltaram que a possibilidade de uma circunstância econômica benigna para o Brasil não é baixa, mas, para isso, deve-se fazer a lição de casa. É importantíssimo que a diplomacia brasileira saiba exatamente a dimensão da própria liderança: somos, sem dúvida, um líder regional — o desafio, agora, é se tornar um porta-voz global.
Nos próximos anos, é bem possível que, em termos econômicos, o País encare um desenvolvimento mais modesto. Felizmente, ao que tudo indica, não haverá uma grande recessão nos Estados Unidos, tampouco uma queda brutal na taxa de crescimento chinês.
O Brasil vive um momento evidente de ciclos de baixa nas taxas de juros, retornando ao radar dos investidores estrangeiros. Caso promova uma política econômica consciente e estável, com responsabilidade fiscal e reformas, pode muito bem desfrutar desse quadro favorável.
Uma condição em que se baseie numa economia norte-americana mais ou menos estável e num padrão chinês de crescimento mais moderado, o suficiente para manter os preços das commodities, já é o bastante para catapultar o Brasil rumo a um caminho melhor.
Ao se consolidar como o maior líder ocidental do mundo em desenvolvimento, principalmente pelo fracasso institucional dos nossos “concorrentes” (Rússia, Turquia, Argentina e México), será possível tirar proveito do nosso “tamanho diplomático”. Mas devemos nos focar onde temos força e voz. Acordos comerciais bilaterais, menos dependência do Mercosul e negociação das nossas posições estratégicas podem ser boas opções.
É claro que tudo isso traz riscos. Nossa grande dependência de fertilizantes é uma questão que já deveria ter sido resolvida. Dominar a tecnologia e a matéria-prima para fomentar os insumos do nosso setor mais produtivo é altamente engenhoso.
Contudo, a tendência à grande presença estatal na economia, sob o pretexto de que “a China faz”, pode pôr tudo isso a perder. Os poucos recursos (financeiros e humanos) disponíveis devem ser usados de forma otimizada. Em suma, o Brasil já tem o caminho pavimentado rumo à estrada internacional, só precisa fazer a sua parte.
*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 10 de agosto de 2023.
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Fonte Oficial: FecomercioSP