Texto trata dos três princípios básicos que devem nortear a proteção da renda dos profissionais cadastrados no modelo de aplicativos
(Arte: TUTU)
*Por Vitor Magnani
A pandemia da Covid-19 trouxe mudanças significativas para muitas famílias. A digitalização teve que ser acelerada para que empresas não quebrassem. O comércio eletrônico, por exemplo, já é 48% maior que no mesmo período do ano anterior (janeiro a abril), segundo a 41ª edição do Webshoppers, elaborado semestralmente pela Ebit Nielsen. No entanto, se no começo das restrições às atividades presenciais o número de pedidos online aumentou significativamente, no decorrer dos meses muitos estabelecimentos comerciais fecharam também. Segundo o IBGE, mais de 700 mil empresas encerraram suas atividades durante a pandemia e o desemprego passou a afetar mais de 12,5 milhões de brasileiros e brasileiras É nesse contexto que as plataformas digitais que reúnem compradores, vendedores e entregadores estão navegando, com impactos diretos no modelo de negócio, na receita dos estabelecimentos comerciais e na renda dos entregadores.
De um lado, a procura por cadastros de entregadores junto aos aplicativos não parou de crescer, resultando até mesmo em filas de espera. A procura pela função nas plataformas digitais aumentou, em média, 100% comparada com os três meses anteriores à pandemia, resultado de mais pessoas buscando novas formas de assegurar renda para suas famílias. Em 2019, portanto antes da pandemia, a Associação Brasileira Online to Offline, que reúne mais de 100 empresas que conectam usuários à produtos e serviços, divulgou 3 pesquisas com resultados importantes para entendermos essa nova dinâmica social. Dos entregadores entrevistados, 87% afirmam que tiveram um aumento significativo de renda e 88% das famílias já tinham as entregas expressas como a principal fonte de renda da residência.
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Em 2020, já no contexto da pandemia, os aplicativos ofereceram uma alternativa viável que, de forma rápida e sem burocracia, permitia a qualquer um que atendesse aos requisitos cadastrais pudesse ter uma importante fonte de renda. Além disso, para oferecer mais segurança aos entregadores, os maiores aplicativos de delivery disponibilizaram seguro contra acidentes, criaram fundos de auxílio aos profissionais que atuam na linha de frente e estão distribuindo equipamentos e materiais de proteção e prevenção ao Covid-19.
Do outro lado, os compradores e consumidores que viabilizam o trabalho e a renda dos entregadores estão perdendo poder de compra tendo em vista todo quadro de desaceleração econômica. A redução das vagas no mercado de trabalho e o aumento da inflação no Brasil diminuem o poder aquisitivo das famílias, sobretudo das classes C, D e E, de modo que muitos brasileiros deixam de comprar produtos ou serviços disponibilizados nas plataformas digitais a fim de garantir, ou tentar, que as necessidades básicas de sua casa estão sendo atendidas. E essas preocupações não se limitam ao universo dos entregadores. São diversos os profissionais, como advogados, médicos, professores e motoristas, que se conectam por aplicativos a consumidores e clientes, e encontram nas plataformas digitais novas e importantes oportunidades de trabalho.
Essa nova economia digital, muito recente no Brasil, vem ajudando milhões de famílias sem perder de vista que precisa melhorar em diversos aspectos, especialmente, com os agentes econômicos que compõem seu ecossistema. A questão que se mostrou chave neste período de pandemia é como proteger a renda dos profissionais cadastrados dentro desse novo modelo dos aplicativos. Propomos aqui alguns princípios básicos que devem nortear qualquer resposta a esse anseio e sobre os quais as plataformas já vêm se debruçando para aprimorar suas políticas e propor caminhos para uma possível política pública.
Em primeiro lugar, reconhecendo a legitimidade do trabalho nas plataformas como um modelo distinto dos demais e, em especial, da CLT, um Decreto-Lei do ano de 1943. As pessoas que buscam seus ganhos através das plataformas não podem depender de uma fórmula engessada, que traga de volta uma regulação, a partir de mais impostos e regras, que prejudique seu trabalho, sua liberdade de escolha e oportunidade de auferir renda.
A economia digital estimula ambientes onde tomador e prestador do serviço têm a liberdade de decidirem se aceitam as oportunidades geradas na tela do celular. Para serem competitivas, as empresas precisam oferecer condições atrativas e compatíveis com a realidade do mercado, trabalhando com incentivos, desincentivos e promoções, além de não poderem impor uma determinada jornada e a aceitação de um serviço – bem diferente do modelo CLT.
Em segundo lugar, olhando para o conjunto dos ganhos gerado pelos prestadores de serviço nas diversas plataformas. Não há uma fonte central de ganhos, mas sim uma rede, composta por diversas plataformas digitais, que conectam demanda aos prestadores de serviços e não controlam seus horários ou sua rotina.
Estimular essas pessoas a se formalizarem, por meio de mecanismos já existentes, como MEI, ou em outro modelo ainda a ser criado pode ser de grande valia, desde que não seja uma barreira de entrada nas plataformas digitais que tolha a liberdade de escolha e de acesso a quem quiser oferecer seus serviços. O foco aqui é promover o acesso às oportunidades de trabalho e renda, e assim criarmos uma jornada de desenvolvimento dessas pessoas, ampliando a base da população economicamente ativa.
Por fim, em terceiro lugar, assegurando políticas públicas que reconheçam a dinâmica deste novo mercado e estimulem a concorrência entre plataformas e o surgimento de novos entrantes e modelos de negócios, valorizem a liberdade de escolha de trabalhadores e consumidores e não se percam na tendência histórica de se criar burocracias caras, ineficientes e excludentes. As plataformas digitais querem continuar facilitando a vida das pessoas e criando oportunidades de renda. Por sua natureza inovadora, estão sempre abertas ao diálogo e buscando melhorias para todos os lados que movimentam a economia digital no Brasil.
Saiba mais sobre o Conselho de Comércio Eletrônico
*Vitor Magnani é coordenador-executivo do Conselho de Comércio Eletrônico da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no portal do jornal O Estado de S.Paulo em 22 de julho de 2020.
Fonte Oficial: FecomercioSP