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A batalha pela segurança química

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Grupo de pesquisa da UFPR liderado pela catarinense Elisa Orth
estuda substãncias para anular a toxidade de defensivos agrícolas e armas químicas

O Brasil conquistou e mantém um título polêmico desde 2008: é o país que mais aplica agrotóxicos em suas lavouras, consumindo 20% do que é comercializado no mundo. É um efeito colateral de deter posição-chave na produção agrícola global, pois se for considerada a relação de uso de defensivos por área cultivada, fica atrás de países como Japão, Alemanha, França. Ainda assim, tal consumo levou o jornal francês Le Monde a publicar, em tom de piada, que os pesticidas são o “tempero preferido” dos brasileiros. Se ainda não é possível abrir mão das substâncias químicas para abastecer as bancas de feiras e gôndolas de supermercado país afora, uma das saídas para evitar riscos à saúde é monitorar e eliminar a toxicidade dos alimentos. Como? Por meio de catalisadores, que aceleram as reações químicas.

Criado em 2012, o Grupo de Catálise e Cinética (GCC), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), está na dianteira desses estudos e vem desenvolvendo novos catalisadores para destruir agrotóxicos. Uma das missões dos treze pesquisadores da equipe é encontrar formas de reduzir a toxicidade de uma conhecida — e nociva — classe de pesticidas: os organofosforados, também utilizados na produção de armas químicas. O grupo é coordenado por Elisa Orth, 34 anos, doutora em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que nos últimos anos vem enfileirando prêmios de destaque como o PhosAgro/UNESCO/IUPAC Green Chemistry for Life Research Award (2018), o Rising Talents da L´Oreal-UNESCO (2016) e o L´Oréal-UNESCO-ABC Para Mulheres na Ciência (2015).

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A catarinense Elisa Orth é doutora em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Em entrevista à Finep, Elisa falou sobre a aplicabilidade de suas descobertas, criticou as poucas oportunidades dadas às mulheres na ciência e revelou os motivos que a mantém no laboratório de pesquisa, mesmo com os cortes nas verbas destinadas a ciência tecnologia e inovação (CT&I) — basicamente uma combinação de fascínio pelo conhecimento, paixão pelo que faz e vontade de promover a segurança química no mundo. Ao olhar para o prestígio internacional de suas pesquisas, tudo indica que o grupo segue na direção certa e tem um auspicioso futuro pela frente. Confira abaixo a entrevista de Elisa.

Catalisadores versus organofosforados: a batalha em que o vilão é o tempo

“Todos os países usam agrotóxicos, mas o Brasil é o maior consumidor do mundo Aqui, é permitido o uso de 504 agrotóxicos, dos quais 30% são proibidos na Europa. Ainda não conseguimos dar conta da produção mundial de alimentos e atender à demanda da população sem esses produtos, mas precisamos melhorar a fiscalização. Estamos trabalhando em conjunto com a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), que monitora a atividade no estado, e fazendo testes com mais de vinte tipos de agrotóxicos. Queremos que nossos alimentos sejam mais seguros e que tenhamos formas de garantir que eles não estão contaminados. Ainda utilizamos muitos produtos proibidos, cujos estoques são apreendidos pela Polícia Federal recorrentemente. O que é feito com isso? Não é possível queimá-los, já que são tóxicos. Por isso, estamos desenvolvendo mecanismos alternativos para retirar a toxicidade dessas substâncias e descartá-las corretamente. Nosso objetivo maior é promover a segurança química no mundo. Estudamos os catalisadores nas reações que envolvem os organofosforados, substâncias tóxicas presentes em pesticidas e armas químicas. Para se ter uma dimensão do problema, há agrotóxicos que permanecem estáveis por milhares ou até milhões de anos. Desenvolvemos catalisadores que diminuem esse tempo para dias, minutos ou até segundos, dependendo das reações. O mais interessante é que não só estamos conseguindo retirar a toxicidade, mas estamos o fazendo com materiais sustentáveis: reaproveitando a casca de arroz, um lixo agrícola para o qual não há destinação.”

Soluções envolvem monitoramento instantâneo de alimentos, destruição de armas químicas e resolução de problemas genéticos

“Outra vertente do nosso trabalho é criar formas de mais simples e rápidas de monitorar a quantidade de agrotóxicos nos alimentos. Atualmente, as análises feitas pela Anvisa e agências de controle são pontuais e periódicas. A intenção é criar mecanismos e dispositivos para que o consumidor, e até centros de distribuição de alimentos, possam realizar o monitoramento por conta própria. Estamos tentando descobrir formas de detectar a presença de agrotóxico na hora de lavar o alimento. Um caminho é adicionar nanocatalisadores na água em que se lava frutas, verduras e legumes, o ue permitiria ver imediatamente — pela mudança na coloração da água — se os alimentos têm pesticidas e se estão em um limite seguro. Trabalhamos nisso há menos de um ano, mas já patenteamos algumas descobertas. Os estudos também são válidos para resolver o problema das armas químicas, cujo estoque disponível é suficiente para dizimar a humanidade. A estrutura química dos pesticidas é semelhante à delas. Tudo que desenvolvemos para destruir agrotóxicos no meio ambiente pode ser usado para essa outra finalidade. Além disso, há outra aplicação: na terapia genética, os novos catalisadores podem ser utilizados no tratamento de doenças genéticas, reparando genes defeituosos. As enzimas artificiais podem ser usadas para resolver problemas genéticos de doenças como câncer, fibrose, mal de Parkinson, mal de Alzheimer, entre outras.”

Premissa universal: não há pesquisa de ponta sem recursos

“Para darmos continuidade às pesquisas, precisamos receber investimentos em infraestrutura, recursos humanos, para, posteriormente, encontrar empresas interessadas na transferência dessas tecnologias. Atualmente, somos financiados por instituições como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Finep e a Fundação Araucária. Mas o que tem dado grande suporte às atividades do grupo é a remuneração obtida com os prêmios internacionais. Recebemos 30 000 dólares do PhosAgro/UNESCO/IUPAC Green Chemistry for Life Research Award, em 2018; 20 000 dólares do Rising Talents da L´Oreal-UNESCO, em 2016, e 15 000 dólares do L´Oréal-UNESCO-ABC Para Mulheres na Ciência, em 2015. Apresentamos bons indicadores de desempenho e o mundo inteiro enxerga o quanto o Brasil tem potencial na produção científica, mas não adianta: precisamos de dinheiro para tocar nossas pesquisas. Conseguimos comprar equipamentos de nível mundial, o número de bolsas para os alunos cresceu — o que fez com que eles passassem a enxergar cada vez mais a ciência como profissão –, mas os cortes recorrentes na área prejudicam o futuro do nosso trabalho. Pelo menos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) tem que ser investido em CT&I . O Brasil investe hoje cerca de 1,2%, apenas. Vemos países que, mesmo em crise, aumentaram o investimento para 3,5% do PIB. Vínhamos passando por uma fase de mais recursos e disponibilidade de bolsas, o que melhorou nosso nível. Até começarem os cortes sucessivos nos últimos anos — e há uma preocupação ainda maior para o futuro, se a restrição de recursos vai se intensificar. A situação da ciência brasileira hoje é muito crítica. Precisamos nos unir para mudar esse cenário — cientistas, universitários, agências de fomento. Em meio a esse cenário, o que mais me motiva a continuar pesquisando e dando aula é o meu fascínio pelo conhecimento e paixão pelo que faço. Fico maravilhada ao ver os olhos dos alunos brilhando quando estou ensinando, quando eles chegam até mim com uma descoberta nova. Sinto que faço a diferença. Apesar de tudo, eu jamais vou perder a esperança. Batalhamos muito para chegar aonde chegamos, e vamos sair dessa fase difícil. No fim das contas, a ciência está aí para nos proporcionar uma vida melhor.”

Por uma ciência democrática e igualitária

“Além dos cortes, ainda sentimos na pele outro problema: a desigualdade de gênero em nosso meio. Se olharmos para o topo da carreira no Brasil, o percentual de mulheres é muito baixo. Uma das maiores honrarias da área é fazer parte da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Mas apenas 14% dos membros são mulheres. Em geral, no alto escalão das instituições científicas e dos órgãos que concedem bolsas, vemos basicamente homens. Vou dar um exemplo da Química, que pode ser estendido a toda área de Exatas. Metade dos formandos é mulher. No entanto, dos pesquisadores dos níveis 1A ou 1B do CNPq que trabalham na área, apenas 9% são mulheres. Onde está o restante das mulheres cientistas? Elas não são boas o suficiente para chegarem lá? Não pode ser. Precisamos ter mais referências femininas. Não é uma questão de privilegiar apenas as mulheres, mas de reconhecê-las. Em primeiro lugar, é o reconhecimento que importa. Um exemplo disso é prêmio Mulheres para Ciência, da L’Oreal, que nos dá não apenas certificado ou dinheiro, mas oportunidade de termos visibilidade, espaço na mídia, irmos a congressos internacionais e sermos vistas com mais atenção. Há milhares de mulheres capazes, mas não as vemos no topo. Esse descompasso também está presente em coisas mais simples: quando abrimos um livro de ciências na escola, a referência nas imagens de pesquisador é sempre masculina. Os clichês ajudam a reforçar esse estereótipo. É um desafio a ser vencido. Precisamos lutar para que números se equilibrem. Não se trata de ter uma sociedade feminista, mas, sim, uma sociedade justa, que dê oportunidade a mulheres, negros, pessoas de baixa renda. Precisamos de uma ciência democrática, feita por todos e para todos. Levo isso diariamente para o laboratório e para a sala de aula (além de dar aula para cerca de cem alunos de graduação e pós-graduação, Elisa participa do projeto “Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação”, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em que pesquisadoras vão a salas de aula de colégios públicos falar sobre ciência para meninas e incentivá-las a seguir a área de exatas).”

Fonte Oficial: Finep

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